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Sexta-feira, 11 de março de 2022

Rochas silicáticas podem ser opções de remineralizadores

Os produtos químicos usados abundantemente nos últimos anos, sejam fertilizantes ou defensivos agrícolas, têm se tornado ano a ano mais caros, principalmente para produtores brasileiros, já que a grande maioria são importados. Com isso, fica difícil a redução dos custos de produção, fator essencial para uma melhor rentabilidade.

Opções mais sustentáveis, tanto economicamente como ambientalmente, têm voltado à tona com muita intensidade na produção agropecuária nos últimos anos. Muitos métodos já existem há muito tempo, mas foram esquecidos.

Dentre essas opções mais sustentáveis estão os remineralizadores, obtidos por meio de rochas moídas e aplicadas no solo. Usar o pó-de-rocha para adubar o solo não é uma novidade propriamente dita, já que toneladas de calcário são colocadas anualmente no solo. O calcário, tão conhecido mundialmente, nada mais é que rochas sedimentares, geralmente formadas em antigos mares, por ação de micro-organismos, como algas e cianobactérias.

O grande diferencial no resgate do método da rochagem tem sido as pesquisas e aplicações das rochas chamadas de silicáticas, que carregam em sua composição natural um elemento da natureza um pouco esquecido: o silício. Estudos revelam a influência do elemento à resistência ao ataque de insetos, nematoides e microrganismos, maior resistência à seca, salinidade, além de contribuir para a melhoria do estado nutricional, transpiração e, possivelmente, em alguns aspectos da eficiência fotossintética das plantas. Apesar de existirem estudos antigos sobre estes tipos de rochas, só recentemente elas foram relembradas.

No Brasil, em 2013, a lei 2890 definiu a rocha silicática como remineralizador. Já em 2016, esta lei foi regulamentada pela Instrução Normativa nº 5 e publicada pelo Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA). O geólogo e pesquisador da Embrapa Cerrados (Brasília -DF), Eder de Souza Martins que se dedica ao assunto, explica que esse foi um momento importante, já que com o reconhecimento e regulamentação pelo MAPA foram definidos critérios do produto, como composição química e mineralógica, além das granulometrias a serem utilizadas.

Muito antes disso, em 1986, o agora professor aposentado da Unespar – campus União da Vitória, Bernardo Knapik já estudava os benefícios das rochas silicáticas para o solo e plantas. Knapik lançou, em janeiro deste ano, o livro “Rochagem: pensamentos, experiências e perspectivas para uma agricultura sustentável”, reunindo todos os anos de pesquisas dele sobre o assunto.

“Comecei a pesquisa com este tema em uma pós-graduação em Biologia. Meu pai já dizia que a terra boa estava na serra, no meio das pedras. E como morávamos na planície, a terra era fraca. Então, foi isso que me incentivou a pesquisar estas terras juntamente com um geólogo, para analisarmos se as áreas eram mais férteis de fato”, contou Knapik.

O professor conta que como resultado chegou à conclusão que os solos rochosos realmente eram mais férteis, pois tinham mais fósforo, potássio e um PH mais alto. As rochas daquelas áreas analisadas possuíam minerais como potássio, cálcio, magnésio e vários outros elementos.  “Com esse resultado, fiz a primeira experiência pegando um pó fino, da pedreira e fazendo um teste na horta da faculdade, em União da Vitória, onde eu lecionava. O resultado foi que onde eu coloquei a rocha pulverizada, produziu bem melhor o rabanete; onde eu pus 2kg/m² de pó-de-rocha deu a melhor produção; onde eu coloquei mais do que isso não foi tão bom e onde eu pus menos, era uma produção mais fraca; além disso, onde eu pus NPK a produção comercial não foi boa, rachavam os rabanetes e com menos produção”, detalhou.

Pó-de-rocha: orientações da utilização

Segundo Eder Martins, o grande objetivo da remineralização é melhorar a atividade biológica do solo e a eficiência de uso de nutrientes. “E isso é essencial para qualidade e produtividade de qualquer cultura”, observa. 

De acordo com ele, as rochas silicáticas podem ser encontradas de forma abundante nas mais diversas regiões do Brasil. “Nós fizemos uma análise em 2018, uma parceria entre a Embrapa e o Serviço Geológico do Brasil, onde demonstramos que essas fontes são muito abundantes no país. Nós temos o potencial de ter uma fonte desse tipo de insumos a menos de 300 quilômetros de qualquer área agrícola. O que a gente precisa desenvolver agora é o processo mineral”, informou. Martins complementou que, atualmente, há 30 produtos registrados no MAPA, espalhados por todo o país e que este número só tende a aumentar, já que há potencial de registro de até 550 produtos deste gênero.

A recomendação do pesquisador é que o produtor encontre origens de rocha em uma distância de 300 a 500 quilômetros da sua propriedade, para que haja viabilização no custo de transporte.

Há cinco grupos de rochas silicáticas. “A primeira delas é um grupo bastante rico em magnésio, silício e níquel; outro grupo é de rochas ricas em cálcio; existem também rochas que são metamórficas e ricas em  silicatos de cálcio e também carbonato de cálcio; existe outro grupo que são os basaltos, que é muito comum na região sul, sudeste e centro-oeste; outro grupo é fonte de potássio”, explica.

A aplicação mais comum do pó-de-rocha é a lanço. Mas antes de aplicar, o produtor rural precisa ter em mente que qualquer tipo de pó-de-rocha não é solúvel em água. E isso é importante porque o produto fará seu efeito melhor se houver um solo estruturado com uma atividade biológica ativa. Quem explica é Knapik: “A rocha se solubiliza no máximo 10%. Os outros 90% entra a biologia da história. O solo precisa ser vivo, solo com matéria orgânica, micro-organismos. Eles que ajudam a solubilizar a rocha, pois precisam dos minerais e acabam cedendo estes minerais para as plantas. E a planta, por sua vez, cresce não só com alguns elementos, mas com todos os elementos”.

Martins complementa que em sistemas que já estão em regime de plantio direto ou em sistemas agroflorestais ou com sistemas de culturas perenes não é necessário a incorporação no solo do pó-de-rocha. Só a aplicação basta. No entanto, quando há uma abertura de área ou a intenção de transformação de um sistema menos produtivo, como uma pastagem de baixa produtividade para um sistema altamente produtivo, se faz necessária a incorporação do pó-de-rocha.

Com relação à quantidade e frequência de aplicação do pó-de-rocha, Martins revela que há várias pesquisas em andamento para definir os padrões. Produtores que já utilizam deste tipo de remineralizadores, geralmente iniciam aplicando grandes quantidades nas áreas, de três a oito toneladas por hectare e após, anualmente, de uma a duas toneladas por hectare.

Para saber se está comprando um pó-de-rocha ideal e com qualidade, os dois critérios fundamentais é saber o PH de abrasão e a granulometria. Estas Informações deverão ser fornecidas obrigatoriamente pelo produtor do remineralizador.  

Se o produtor quer analisar quimicamente o pó-de-rocha, é necessário enviar o produto para um laboratório de geoquímica. Martins pontua que há vários laboratórios desse gênero em universidades e alguns particulares. Já na parte de análise mineralógica, se o produtor tiver interesse, terá um pouco mais de dificuldade, já que são poucos laboratórios deste tipo no Brasil.

 

Pó-de-rocha vem ganhando espaço no manejo de produtores brasileiros

 

Segundo Martins, em 2020, foram consumidos 1,5 milhões de toneladas de pó-de-rocha no Brasil todo. A estimativa é que em 2021 este número tenha duplicado, ultrapassando três milhões de toneladas.  “A adoção desses insumos está ocorrendo muito rapidamente. Os agricultores estão utilizando esses insumos para manejar a fertilidade dos solos em várias situações. Temos agricultores que há mais de 10 anos não usa, por exemplo, uma fonte solúvel de potássio. E utiliza essas fontes. Mas na maioria das situações, o pessoal continua utilizando as fontes solúveis, mas em menores proporções e aplicando esses insumos”, explicou.

Para ele, além do custo alto há um manejo de fertilidade muito ineficiente no Brasil. “Usamos muito mal os nutrientes que a gente aplica no solo. E a gente importa uma grande quantidade desses nutrientes pra usar na agricultura. Dos macronutrientes essenciais, nitrogênio, fósforo e potássio, importamos 80% daquilo que a gente consome no país, atualmente. Com o potássio somos ainda mais dependentes, importamos mais de 96% do que a gente consome na agricultura.  Então,  os remineralizadores vêm pra ajudar na economia desse processo, que é de redução do uso dessas fontes importadas, não por substituição diretamente, mas sim de uma forma complementar e pra diminuir as perdas que ainda acontecem nos solos agrícolas”, detalhou.

Para Knapik o produtor precisa começar a “pensar fora da caixa”. “Eu posso dizer para o agricultor que existe essa ferramenta, existem muitas pesquisas e que o produtor que está acostumado 50 anos a utilizar o adubo químico e agora está com dificuldade pelos preços, ele pode sim sair da caixinha e pensar diferente, que terá bons resultados. Economicamente é mais barato fazer a rochagem do que usar adubos importados. Ele ainda terá um solo novo, com uma produção de alimentos ainda com mais qualidade”, declarou.

 

Produtor deixou de utilizar fertilizantes comuns e passou a aplicar pó-de-rocha

 

No município de Santo Augusto, na região noroeste do Rio Grande do Sul, o produtor rural Verner Jann, que também é engenheiro agrônomo aposentado e trabalhou durante mais de 30 anos em uma empresa química multinacional, buscou no pó-de-rocha uma alternativa sustentável para auxiliar no cultivo de soja e trigo em sua propriedade de 600 hectares.

Além do uso de pó-de-rocha como remineralizador, Jann intensificou o uso de coberturas verdes e rotação de culturas para ajudar na melhoria do solo. Os resultados a partir deste manejo, segundo ele, têm sido produtivos. “Desde 2014, eu não estou mais usando calcário. Usei fertilizantes nos primeiros dois anos com dose normal. No terceiro ano eu usei metade da dose e a partir do quarto ano, já é a terceira safra seguida que eu não coloco nada de fertilizante na soja. Nem em tratamento de semente e nem na parte aérea. Esta safra de verão está muito boa, apesar da seca, nossa lavoura já está resistindo mais do que as dos vizinhos. Isso já é um dos benefícios da remineralização, porque a planta fica mais resistente e o solo fica bem mais condicionado”, pontuou.

Desde que começou, Jann conta que utilizou diversas fontes de rocha. “No início usei uma rocha lá de Santa Catarina, uma ardósia. Depois usei uma rocha básica e um basalto básico de Santa Rosa, que é muito fino, que era filler. Após isso, passei a usar uma rocha mais mole de Sarandi e por último uso uma de Soledade, que é um dacito. É uma rocha mais rica em potássio”, detalhou.

Quanto à quantidade, o produtor revelou que tem usado a quantidade de quatro toneladas/ha/ano.  “No pó-de-rocha não existe contraindicação. Então posso aplicar a quantidade que quiser, que mal não vai fazer. Eu uso em volumes maiores porque é como se estivesse fazendo minha poupança no solo. Deixando que a planta use o que precise e o resto fica no solo. Porque esse produto não é como os químicos que é lixiviado”, argumentou.

Ele explica que encontrou um empecilho na hora da aplicação a lanço, já que algumas rochas são muito finas e boa quantidade se perde com o vento. “Com isso a distribuição na lavoura não ficou uniforme. Agora estou me obrigando a fazer uma correção geral na área toda. Estou aplicando com um aparelho mais moderno que lança o produto em linha e assim não fica mais a mercê do vento”, conta Jann.

Como produtor, ele ressalta que resiliência e persistência são fundamentais no caminho de uma produção sustentável. E que os resultados vêm em longo prazo. “Não é da noite para o dia que se consegue transformar uma pedra em fertilizantes”, observa.

Com este novo manejo, Jann revela que já houve redução de nematoide, rhizoctonia, fusarium e macrophomina em suas lavouras. E sem a aplicação de fertilizantes e tratamento de semente, sem a necessidade de um controle intenso de pragas e doenças, seus custos já reduziram até 50%.

 

Em Goiás, produtor aplica pó-de-rocha há sete anos e dissemina a prática em todo o Brasil

 

Há oito anos, outro produtor que vem investindo no pó-de-rocha é Rogério Vian, que tem propriedade rural no sudoeste goiano, em Mineiros. Ele também é engenheiro agrônomo e grande defensor de práticas mais sustentáveis na produção agrícola. “Eu vi o primeiro experimento de rochagem em 2014, em um dia de campo em Jataí (GO). A olho nu dava para ver a diferença do ensaio com aplicação de pó-de-rocha. Ali me interessei pelo assunto, comecei a pesquisar e em 2015 já fiz a primeira aplicação na minha propriedade”, comenta.

No primeiro talhão de 54 hectares, ele aplicou cinco toneladas. Depois, ano a ano, foi aplicando em mais talhões e em cinco anos havia aplicado em toda sua propriedade, de 700 ha.

“Uma das coisas que me chamou atenção foi justamente o fato de que você não precisa usar todo ano. Nesse experimento em Jataí, que vi pela primeira vez, foram aplicadas cinco toneladas de Micaxisto com 3.2% de potássio. Na época, eles falaram e o experimento demonstrou que usando cinco toneladas, poderia ficar até três anos sem aplicar. Quando você faz a conta, o resultado é que o custo da aplicação das cinco toneladas se dilui em três anos. Então, a redução de custo era 1/3, 33% praticamente do custo normal. Isso quando o adubo era barato. No meu caso, eu apliquei cinco toneladas e fiquei cinco anos sem aplicar em alguns talhões. Então a diminuição de custo foi ainda maior”, detalhou Vian.

Segundo ele, na Fazenda Sélia existem vários manejos visando a sustentabilidade econômica e ambiental. “Começa pela escolha de cultivares, que são somente as convencionais, nada de transgenia; rotação de cultura; plantas de cobertura; utilização de insumos biológicos e os remineralizadores”. 

Como resultado de todo esse sistema “trabalhando em conjunto”, como Vian faz questão de lembrar, a redução de seu custo com insumos chega a 50%.

O produtor atualmente utiliza basicamente três tipos de pó-de-rocha em suas aplicações: Diábase, com 10,5% de Potássio; Micaxisto; e Basalto, se quiser fornecer cálcio, magnésio e silício para área aplicada.

O preço médio na sua região é de R$ 70,00 a tonelada, mais o frete. “O preço depende do pó-de-rocha. Quanto maior o ponto de potássio, mais caro”, explica.

 Atualmente, Vian é presidente do Grupo Associado de Agricultura Sustentável (GAAS). O grupo nasceu da preocupação de alguns produtores rurais com o modelo de produção tradicional, com custos altos e também na busca de soluções mais sustentáveis ambientalmente.

O GAAS, além de disseminar informações, busca apoio nas esferas pública e privada para algumas pautas sustentáveis, entre elas, estão os remineralizadores.

Vian conta que recentemente tem participado de eventos e reuniões sobre os remineralizadores, que envolvem os Ministérios de Minas e Energia, de Agricultura e também da Economia. “Hoje existe um grupo interministerial trabalhando com o pó-de-rocha, por meio do Programa Nacional de Fertilizantes. Estamos começando a mudar o panorama. Antes o pó-de-rocha estava entre uma opção acessória de insumos, hoje já está na categoria de fertilizantes. O pessoal já está olhando como uma substituição parcial de fertilizantes”.

O produtor conta que é importante que os remineralizadores entrem em uma linha de financiamento de investimento e não de custeio. “Porque você está investindo no seu solo. Eu sei de alguns produtores que conseguiram isso, mas não é uma regra geral ainda. Estamos estruturando, tentando colocar dentro do Programa ABC, que tem uma linha para isso. Além disso, é importante também uma linha de crédito para as mineradoras, para que possam investir e ampliar as plantas”, destaca.

Ele ressalta ainda que os produtores devem entender o sistema como um todo sobre como funcionam os remineralizadores. Todos têm o direito de duvidar deste insumo, mas antes precisam testar. “A maioria de nós começou assim, duvidando. Mas comece. Faça somente uma parte da sua área e vai aprendendo com o sistema. O produtor precisa entender que os remineralizadores não são um ‘achismo’ de produtores. Existem pesquisas da Embrapa, da Unesp e outras instituições. Temos muitos resultados, é só pesquisar”.

Outro ponto essencial, segundo Vian, é que o produtor precisa entender claramente que o sistema de rochagem não é uma substituição do adubo simples. “É preciso entender geologia e ver que é um sistema vivo. Não é simplesmente jogar o pó-de-rocha, como se joga adubo. Por isso, além de ter um solo com matéria orgânica e com atividade biológica, é preciso ter a orientação de um técnico que entenda do assunto para te auxiliar”.

Vian complementa ainda que os remineralizadores vão além da fertilidade, que esse é só um dos benefícios que ele pode oferecer. “As pesquisas já comprovaram que a remineralização é uma forma de reter carbono no solo. Na verdade, é o melhor jeito de sequestrar carbono. Outro ponto é a própria questão da soberania nacional. O dinheiro fica investido aqui. Somos muito dependentes de importação. Com o pó-de-rocha, esse cenário mudaria um pouco. Ressalta-se ainda a qualidade nutricional dos alimentos produzidos. O pó-de-rocha oferece toda a tabela periódica de elementos. Imagina o quão rico ficam esses alimentos”, pontua .

 

Na região de Guarapuava (PR), produtores já estão apostando na remineralização.

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