Quinta-feira, 29 de outubro de 2020
Depois de uma primeira reportagem sobre manejos sustentáveis no agro, com foco na pesquisa, a REVISTA DO PRODUTOR RURALmostra duas vertentes daquelas tecnologias que vêm se difundindo no campo:os bioinsumos e o mix de coberturas. No Paraná, algunsagricultores vêm utilizando microrganismos para controlar doenças e pragas da lavoura.Já no âmbito das coberturas, instituições situadas no Estado seguem revelando as muitas possibilidades de plantas que ajudam as culturas comerciais. Enquanto isso, no Brasil central, produtores criaram por iniciativa própria um grupo de agricultura sustentável, defendendo aquelas e outras técnicas. Mas neste novo caminho, uma antiga certeza se reafirma: a geração, difusão e utilização de informação científica comprovada continuam fundamentais para os que manejos produzam o efeito esperado e, ao mesmo tempo, sejam ambientalmente responsáveis.
Cristiano Groszko (agrônomo) e Sérgio Veit (produtor rural)
O agricultor Sérgio Veit é um dos vários produtores que se interessaram por uma opção tecnológica que tem chamado a atenção no setor rural do Brasil: os bioinsumos, entre os quais estão bactérias ou fungos para o controle de doenças e pragas das lavouras. Com suas áreas situadas entre os municípios de Guarapuava e Campina do Simão, onde há mais de 30 anos se dedica à produção de sementes de trigo, triticale, soja e pastagens de inverno, ele foi até mais longe: resolveu multiplicar na propriedade microrganismos benéficos às culturas que cultiva.
Segundo relatou no último dia 17 de julho, em entrevista à REVISTA DO PRODUTOR RURAL, resultados que considerou positivos em termos de custo e eficiência o levaram àquela decisão. O primeiro passo, explicou, foi a busca de conhecimento: “Participamos de alguns cursos que foram ministrados inclusive fora do município. Aproveitamos bastante”.
Ele também destacou que uma unidade de biológicos dentro da fazenda permite ainda ter disponibilidade de produto e multiplicar apenas os microrganismos de que precisa em seu sistema produtivo: “Às vezes não tem no mercado, tem que procurar. E se podemos fazer, já facilita tudo, não é? Além de facilitar, tem um custo mais acessível. E a gente pode fazer o que precisa na lavoura. Não é o que os outros querem te vender”.
Porém, Veit reconhece que, na prática, a própria estruturação das instalações representou outro aprendizado: “Tanto é que montamos duas vezes nosso equipamento. A primeira vez, achando que não precisava tantos cuidados de manuseio, assepsia. E aí terminamos desmontando e fazendo tudo de novo, para fazer uma coisa melhor. Então, não é assim, fazer de qualquer jeito. A contaminação, isso é violento, se não tiver os cuidados rigorosos”. O agricultor contou que decidiu então implantar regras, inclusive no acesso ao laboratório, que desde então ficou restrito a seu agrônomo, Cristiano Groszko: “Só ele é que entra”.
Participando da entrevista ao lado de Veit, o agrônomo recordou que, nesta nova rotina, teve início a produção. Entre a multiplicação de bactérias ou de fungos, a opção escolhida, assinalou, foi a primeira, a seu ver mais simples: “Porque em fungos benéficos para aplicação na lavoura, precisa de um controle bem mais sofisticado em termos de estrutura, de equipamentos”. Informação necessária sobre os microrganismos e suas finalidades, assim como sobre os níveis de controle de doenças, mencionou, a propriedade obtém junto a centros de pesquisa. Com base naqueles conhecimentos, o laboratório se voltou a multiplicar, segundo elencou, Bacillus pumilus, Bacillus amyloliquefaciens e Pseudomonas fluorescens.
A etapa seguinte do processo, de acordo com ele, ocorre em um resfriador, desenvolvido e patenteado por uma empresa, com capacidade de 1000 litros, além de controle de temperatura e de oxigenação. Ali, o material é armazenado: “Depois do produto pronto, a gente faz a refrigeração, baixa a temperatura para as bactérias entrarem em um estado de dormência”.
Groszko relembra que mesmo antes da atual produção de biológicos onfarm, a fazenda recorria a bioinsumos, combatendo o mofo branco em soja, causado pelo fungo Sclerotinia sclerotiorum, com outro fungo, este benéfico: “A gente já vinha de um trabalho construtivo lá trás, mas em cima de Trichoderma”. Na época, acrescentou, a hipótese de produção própria de biológicos foi cogitada, mas havia dúvida sobre a viabilidade técnica, devido ao risco de contaminação: “A gente pensava assim: ‘Não, não é possível. Tem que deixar para as empresas que fazem isso já’”.
Atualmente, a alternativa para manejar aquela doença da soja, especificou, é um dos microrganismos utilizados no local: “A gente percebeu que o Bacillus pumilus tinha eficiência no controle de esclerotinia. Aí, começamos a multiplicar. Então, pensando só nesse caso, a gente evitou um gasto, na fazenda inteira, em torno de 130 mil reais”.
Contudo, para assegurar a eficiência, Groszko sublinhou que também verifica, no laboratório, um dos critérios considerados por especialistas como fundamentais para que os biológicos de fato funcionem: a correta concentração. Na propriedade, ele diz ter superado a marcade 10 à sétima, que conforme afirmou é o parâmetro para que um bioinsumo daquele tipo seja comercializado: “A gente conseguiu 10 à nona na nossa multiplicação”.
Apesar destes resultados, o agrônomo pondera na hora de refletir sobre uma questão técnica: usar de forma parcial ou total os microrganismos. Ele conta que em suas buscas por conhecimento neste campo, visitou uma propriedade na região de Cascavel (PR), onde o produtor passou a usar biológicos e chegou a eliminar defensivos químicos. Mas argumenta, por outro lado, que no centro-sul do Paraná, o clima é mais frio, o que a seu ver impõe uma análise: “Como vou cortar um químico, se a gente tem os dados técnicos, sabe que a doença, aqui na nossa região, também é feroz e pega mesmo, não é?”
Ao mesmo tempo, no manejo de pragas como insetos, Groszko visualiza a oportunidade de contar totalmente com bioinsumos, obtendo ainda redução do investimento por hectare: “Como somos produtores de semente, o controle de percevejo tem que ser muito eficiente. Então, a gente multiplicou o Chromobacterium, que é um microorganismo do gênero das bactérias. A gente baixou esse custo também, para em torno de 10 reais por hectare. Então zeramos a aplicação química. E os nossos resultados de sementes, em termos de danos por percevejo, foram menores do que nos anos em que a gente fazia a parte química”.
Outros alvos foram as lagartas falsa-medideira e helicoverpa: “A gente foi atrás de multiplicar os Bt, que são os Bacillus Thuringiensis, do gênero Aizawai, e também multiplicou a Saccharopolyspora spinosa, que é uma outra espécie de bactéria, muito agressiva na questão de controle de lagartas. E tivemos excelentes resultados”.
Para se chegar à eficácia no efeito esperado, pontua o agrônomo, os biosinsumos exigem entretanto que se considere detalhes técnicos também na hora de sua utilização na lavoura. Exemplificando, especificou a forma da ação dos produtos no manejo de doenças: “O foco do controle biológico é fazer uma camada de microrganismos sobre a folha da planta, para que o inóculo da ferrugem não possa se instalar. Porque o inóculo de qualquer doença ali também é fonte de energia para os microrganismos. Então, eles tendem a predar esses inóculos”, explicou. Na dosagem, ele afirma que se orienta pela informação das instituições de pesquisa: “A gente segue, claro, a recomendação técnica das principais entidades que já têm um determinado ponto para você seguir. Essas bactérias que comentei, Bacillus pumilus, até o próprio Bacillus subtilis, partem da dose de um litro por hectare no manejo foliar da soja”.
Outros pontos já conhecidos para aplicações valem igualmente: “Tem a questão de controle de aplicação, umidade relativa do ar, temperatura, que também influenciam na funcionalidade deles” – parâmetros que avalia como adequados em Guarapuava e região: “Falando em bactérias, os níveis de temperatura e umidade que temos são favoráveis ao desenvolvimento”. Neste cenário, a aplicação noturna, ele considera como “mais do que ideal”, mas lembra que numa área grande isso nem sempre é possível para o produtor. Na fazenda de Veit, a decisão foi o trabalho durante o dia: “A gente aplicou os microrganismos com umidade (relativa do ar) em torno de 50%, 55% e temperatura oscilando de 27°C a 28°C. E ainda teve um bom resultado”.
Critérios semelhantes, complementou, são utilizados no manejo de pragas: neste caso, a estratégia adotada na propriedade começou com um monitoramento, para aplicar apenas quando a infestação chegasse ao patamar em que começa a causar prejuízo: “O onfarm tem um custo barato. Mas não é, na parte de controle de insetos, você também sair aplicando sem ver a necessidade, se há ou não. Tem que ver o nível de dano econômico, avaliar isso”. Ao final, destacou, o uso de microrganismos só não ocorreu em toda a área porque o volume produzido naquele momento não era suficiente: “A gente teve que fazer uma aplicação (de defensivo químico). Mas isso em torno de 30% da área”.
Ainda segundo disse, na soja, além de simplesmente passar a recorrer àquela tecnologia, ele achou necessário, em paralelo, começar a gerar informação sobre os manejos que poderiam dar melhores resultados especificamente no local. Foram estabelecidas comparações entre áreas: “Teve um tratamento de 130 parcelas de soja, em que a gente não fez nenhuma (aplicação) de fungicida. Mas ainda vou gerar as estatísticas para ver o que é que deu de resultado. Também não é um trabalho que a gente vai concluir num único ano. Queremos repetir”.
No momento da entrevista, ocorrida no período de implantação das lavouras de inverno deste ano em Guarapuava e região, Groszko antecipou que a ideia era estender a utilização de microrganismos para a triticultura na propriedade: “Na cultura do trigo, agora a gente vai entrar também com Bacillus pumilus e Bacillus subtilis, pensando no manejo do oídio. O nosso objetivo não é exaurir as aplicações químicas, é diminuir o nosso custo”, finalizou.
Mix de coberturas
Embrapa relata pesquisas e benefícios obtidos com esta prática
Henrique Debiasi, pesquisador da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa)
Na edição passada da Revista do Produtor Rural do Paraná, um dos mais renomados pesquisadores na área de Plantio Direto e plantas de cobertura, Ademir Calegari (IDR – Iapar), detalhou minunciosamente os benefícios de utilizar mix de coberturas e como chegar a um manejo eficiente para que as culturas posteriores e o solo extraiam todos os benefícios desta tecnologia.
Desta vez, conversamos com o pesquisador da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), Henrique Debiasi, para saber o que uma das maiores empresas de pesquisa do país tem feito para difundir a prática no campo e quais são as orientações. Confira a seguir a entrevista na íntegra:
Nos últimos tempos tem se divulgado muito o uso de plantas de coberturas para trazer benefícios ao solo e culturas posteriores. Mas pesquisas tem mostrado que o consórcio destas plantas podeser ainda mais benéfico. O que a Embrapa tem feito para levar ao produtor rural essa tecnologia?
A utilização de consórcios envolvendo plantas de cobertura com diferentes benefícios potenciais, características e padrões de ocupação do espaço (raízes e parte aérea) sem dúvida nenhuma traz benefícios adicionais ao produtor, em comparação ao cultivo solteiro. Sabendo disso, a Embrapa, além de atuar na pesquisa sobre o tema, tem fomentado essa tecnologia através de cursos, palestras e, principalmente, através de unidades demonstrativas, tanto em sua área experimental, quanto nas de instituições parceiras. O foco dessas ações é, em primeiro lugar, mostrar ao produtor o quanto ele pode ganhar em produtividade e redução de custos ao longo do tempo com esta tecnologia e, em um segundo momento, orientar na utilização da mesma com base no que conhecemos até o presente momento.
Quais pesquisas específicas dos mix de coberturas têm sido produzidas pela Embrapa?
No caso da Embrapa Soja, temos focado em pesquisas buscando combinações de espécies e, ao mesmo tempo, proporções de sementes de cada cultura, que proporcionem os melhores impactos em termos de fertilidade e conservação do solo e produtividade das culturas principais (milho, soja e trigo). Neste momento, temos priorizado o desenvolvimento de consórcios envolvendo de duas a quatro culturas de cobertura, sempre incluindo ao menos uma espécie tropical, como milheto, capim sudão, trigo mourisco e crotalárias. Além de regiões com outono-inverno mais quente, tradicionalmente, utilizadas para o cultivo de milho 2ª safra. Algumas dessas opções em estudo apresentam ciclo curto, tornando possível a sua utilização em regiões frias, por exemplo, na janela entre a colheita da soja ou milho verão e a semeadura dos cereais de inverno. Nosso foco em espécies tropicais, notadamente gramíneas, deve-se à grande capacidade das mesmas em produzir principalmente raízes, melhorando a estrutura do solo e favorecendo uma rápida reciclagem de nutrientes. Alguns exemplos que têm mostrado bom potencial de uso: crotalária (juncea, ochroleuca ou spectabilis) + milheto ou capim sudão; milheto ou capim sudão + nabo; milheto ou capim sudão + nabo + trigo mourisco; braquiária ruziziensis + crotaláriaochroleuca; milheto + braquiária ruziziensis; milheto + braquiária ruziziensis + crotaláriaochroleuca ou nabo ou trigo mourisco; milheto + braquiária ruziziensis+ crotaláriaochroleuca + nabo ou trigo mourisco. As opções envolvendoconsórcios entre milheto ou capim sudão + nabo e/ou trigo mourisco, por incluírem espécies de ciclo e curto e rápido crescimento, podem ser utilizadas em regiões frias na janela entre o cultivo de soja ou milho no verão, e de cereais no inverno.
Quais são os principais resultados práticos?
A utilização de consórcios de plantas de cobertura tem demonstrado algumas vantagens importantes para a sustentabilidade dos sistemas de produção em relação aos cultivos solteiros, entre as quais se destacam: aumento da diversidade biológica do solo, aspecto essencial para melhoria da fertilidade física e química do solo e para o manejo de doenças, principalmente as que atacam as raízes das culturas; diferentes espécies apresentam diferentes capacidades de reciclagem nutrientes. Consórcios envolvem, em geral, espécies de plantas com diferentes reações/suscetibilidades a doenças, evitando a seleção de determinados patógenos (sobretudo, fungos e nematoides de solo); Potencializa o efeito sobre a melhoria da estrutura do solo e a redução da compactação do solo; Equilíbrio da relação C/N; Diversidade de compostos/mecanismos com potencial efeito alelopático, favorecendo o controle cultural de plantas daninhas; Maior produção de biomassa e presença de plantas vivas vigorosas por maior período de tempo: um dos princípios fundamentais para o sucesso do consórcio de plantas de cobertura é utilização de espécies com duração de ciclo, porte e velocidade de crescimento contrastantes. Sendo esse princípio respeitado, a competição será minimizada e a produção total de biomassa será maior do que com o uso de uma espécie isolada.
Todos os benefícios relatados implicam, no médio prazo, aumento de produtividade, redução dos custos e das perdas de produtividade por eventos climáticos extremos (seca ou excesso de chuva) e conservação do solo e da água. É uma tecnologia que, se adotada corretamente, certamente se paga.
A nossa experiência também tem demonstrado alguns pontos que merecem atenção para que a utilização de consórcios realmente se reflita nos benefícios anteriormente citados. O principal está na adequação das espécies e da quantidade de sementes a ser utilizada. Se isso não for observado, pode-se ter predomínio de apenas uma espécie, praticamente eliminando as vantagens dos consórcios em relação ao uso de plantas de cobertura em cultivo solteiro. Quanto maior o número de espécies envolvidas, maiores serão as dificuldades neste ajuste. A pesquisa científica não consegue cobrir toda a gama de variabilidade de clima e solo que tem no Paraná. Assim, parte-se de recomendações genéricas que devem ser constantemente aperfeiçoadas para as condições específicas de cada gleba agrícola, evidentemente com a orientação da assistência técnica. Em outras palavras, não há uma “receita mágica” para cada situação.
Quais são as recomendações da Embrapa para utilização dos mix nos mais diversos sistemas de produção?
De maneira genérica, nossos ensaios de longa duração demonstram que pelo menos 25% da área cultivada deve ser utilizada no período do outono-inverno com espécies voltadas prioritariamente à produção de biomassa da parte aérea e raízes, de preferência em consórcios. A escolha das espécies depende de cada região e dos objetivos do produtor, o que deve ser discutido caso a caso, seguindo quatro fundamentos: 1) Espécies com duração de ciclo, velocidade de crescimento e padrão de ocupação do solo e dossel vegetativo contrastantes. Isso possibilitará que todas as espécies componentes tenham desenvolvimento satisfatório; 2) ciclo do consórcio coerente com a duração da janela de cultivo; 3) Espécies com diferentes relações C/N, arquitetura de sistema radicular e capacidade de reciclagem de nutriente; e 4) espécies que atendam ao objetivo do produtor e às necessidades da cultura subsequente (soja ou milho). Além da escolha das espécies, a quantidade de sementes deve partir de uma referência genérica e ser ajustada para as condições específicas de clima e solo da gleba agrícola. Algumas opções estudadas pela Embrapa para regiões mais quentes foram citadas anteriormente. Além de uma parte da área ser utilizada, no outono-inverno, exclusivamente com coberturas, existe a possibilidade do cultivo destas espécies na janela entre a colheita da cultura de verão (soja ou milho) e a semeadura dos cereais de inverno, como trigo. Com essa tecnologia é possível aumentar o aporte de palha, raízes e diversidade biológica ao sistema sem abrir mão das duas safras anuais nos 75% restantes da área.
E qual a posição do produtor rural? Eles têm procurado utilizar mais estes mix de coberturas? Acreditam nos benefícios? Têm buscado conhecimento sobre o assunto?
Além de participar como palestrante em diversos eventos, eu pessoalmente faço parte de alguns grupos de produtores, em diferentes regiões do país. A utilização de plantas de cobertura, principalmente em consórcios, e todos os aspectos ligados ao manejo e benefícios desta tecnologia, estão entre os assuntos mais pautados. Por tanto, não há dúvida que o interesse do produtor vem crescendo principalmente nos últimos três anos. Porém, como toda a tecnologia d