Segunda-feira, 25 de março de 2019
O calor excessivo e a chuva irregular foram motivos de surpresa para os produtores rurais em várias regiões do Brasil, entre os meses finais de 2018 e o começo de 2019. Ainda mais do que antes, entender o clima se tornou tarefa para especialistas. No ano de passado, o país havia sido influenciado, em parte, por La Niña, o resfriamento das águas do Oceano Pacífico Equatorial, e depois pela chamada Neutralidade. Neste verão, não seria a vez do El Niño, conhecido por trazer chuvas à região Sul? Em entrevista para a REVISTA DO PRODUTOR RURAL, no último dia 5 de fevereiro, o agrometeorologista Marco Antônio dos Santos recordou que as águas e os ventos têm sua complexidade e que a alternância entre queda e elevação de temperatura no maior oceano do mundo não é tão regular: “O mês de janeiro foi um dos mais quentes já registrados nos últimos anos, com temperaturas que ficaram até 5°C acima da média por vários dias consecutivos. Além do calor, as chuvas também ficaram abaixo da média para o mês. E isso tem uma explicação. As temperaturas das águas do Pacífico, na região equatorial central, se aqueceram muito rapidamente nessas últimas semanas. Ainda segundo ele, “sem a entrada frequente das frentes frias, os ventos quentes que sopram do equador para a região central do Brasil ganharam cada vez mais força”. Nestas condições, prosseguiu, “as temperaturas subiram rapidamente e permaneceram em patamares elevadíssimos ao longo do mês”.
Sobre o El Niño, ele aponta: “Apesar das águas do Pacífico estarem com temperaturas acima da média, ainda não dá para falar que o verão foi ou será influenciado pelo El Niño, pois em todas as outras regiões do oceano elas estão oscilando muito entre períodos mais quentes e mais frios”. E exemplifica: “A região denominada Niño 1+2, que localiza-se na faixa mais ao leste da região equatorial, que banha a costa (oeste) da América do Sul, está se alternando entre períodos muito quentes, com anomalias até 1,4°C acima da média, e na semana seguinte apresenta anomalias negativas”. A dinâmica, esclareceu, não fez com que a atmosfera respondesse como El Niño, mesmo com as temperaturas da região do El Niño 3.4 sempre se mantendo com anomalias positivas. “O oceano começa a entrar num novo período de resfriamento, o que dá maiores indícios de que não haverá a formação de um El Niño clássico esse verão”, antecipou.
Nestas condições, o Paraná, um dos principais estados agrícolas do país, sentiu os efeitos, com locais, como a região Oeste, registrando perdas severas na soja.
Até mesmo o centro-sul do estado, onde altitudes em torno de 1.100 metros costumeiramente contribuem para temperaturas mais amenas, desta vez acompanhou o quadro climático seco e abafado.
Nas áreas rurais, se o sol forte exibia uma luz tão intensa quanto constante, o granizo fazia um contraponto repentino, aqui e ali, danificando em maior ou menor grau as lavouras atingidas e lançando, sobre as demais, a sombra de sua possibilidade. Certo é que a incidência de doenças e os custos de produção subiram junto com o termômetro.
Ao retornar ao campo para conversar com produtores sobre esta safra, a REVISTA DO PRODUTOR RURAL ouviu dos entrevistados que as chuvas localizadas também marcaram o período 2018/2019. Com isso, algumas fazendas, por vezes até as bem próximas, apresentaram situações bem diferentes.
Em sua propriedade, numa região de Foz do Jordão próxima a Candói, o agricultor e agrônomo Fabrício Araújo, em entrevista dia 7 de fevereiro, recordou: “Foram uns 15 dias sem chuva, um pouco mais quentes”. Algumas variedades enfrentaram a estiagem numa fase mais inicial. “Isso é o que foi mais preocupante. Mas elas não estavam no estágio crítico de produtividade, então confiamos que a produção vai ser muito boa”, considerou.
No milho, de acordo com ele, as doenças não chegaram a afetar a produção e a ocorrência de pragas foi menor do que no ano passado, quando o percevejo entrou logo no início do ciclo, matou plantas e reduziu produtividade. A seu ver, o patamar pode chegar a ser tão bom quanto um dos melhores e mais recentes já obtidos em seu sistema produtivo: “Tivemos, há uns dois anos, um desempenho muito bom, uma média aí de 12.500 a 13.000 quilos por hectare. Acho que a gente consegue chegar na mesma média daquele ano sem muito problema”.
Já na soja, foi maior o contraste entre fatores benéficos e desafiadores. Entre os pontos positivos, Araújo destacou que o verão 2018/2019 proporcionou luz solar suficiente para o desenvolvimento das plantas, ao contrário da safra passada. Entre os negativos, ele viu forte pressão de doenças, como ferrugem e esclerotínia, e de plantas invasoras como a buva.
Entre as pragas, percevejo e lagarta surgiram com menor agressividade. “De bicudo, tivemos uma incidência bem grande. Mas se você trabalhar de uma maneira imediata e constante, é uma praga que dá um dano muito pequeno, comparado às outras”, assinalou. O que chamava a atenção, como mostrou no momento de sua entrevista, era a chegada da joaninha. De olho na reta final da lavoura, o agricultor demonstrava, no entanto, tranqüilidade no controle do inseto, estimando os danos como insuficientes para causar redução significativa no desempenho da soja. Desafios à parte, sua expectativa era boa para a colheita, prevista para início de março: “Acho que num cenário pessimista seriam umas 72 a 75 sacas por hectare; no otimista, 80 sacas de média”, declarou com um sorriso que mostrava alívio de ver um verão escaldante terminar com menos danos às suas lavouras do que se poderia esperar.
Em Goioxim, na fazenda do agricultor Cícero Lacerda, o clima atípico também apresentou suas conseqüências. Ele relatou que o milho, implantado no começo de setembro, sofreu com seca em dezembro: “A espiga parece que ficou um pouco menor. Pode ser que dê uma quebra aí, talvez no peso”. Depois veio granizo em 40% da área da cultura. A intensidade da intempérie, observou, se mostrou contudo fraca. Em sua avaliação, as plantas atingidas puderam preservar cerca de metade das folhas – as que ficaram, permaneceram verdes até o final do ciclo. “Acho que não vai ter perda por causa da chuva de pedra”, estimou. Já a pressão de doenças, a seu ver, foi menor do que se poderia esperar sob o calor forte.
O combate às pragas se mostrou igualmente “tranquilo”. A incidência, disse Lacerda, ocorreu com baixa intensidade e, na propriedade, a opção de controle, contou, tem sido o Manejo Integrado de Pragas (MIP). “Foi uma economia grande de inseticida”, comemorou. Utilizando o MIP desde 2016, ele conta que, para implantar aquela técnica, o gerente e o aplicador da propriedade participaram de um dos cursos que o Sindicato Rural de Guarapuava e a regional do SENAR-PR no município promoveram na entidade. O procedimento, disse o agricultor, hoje se estende à soja e ao trigo.
No quesito produtividade, faltando menos de uma semana para o início da colheita, ele calculava: “Espero obter mais ou menos de 12.000 a 12.500 quilos por hectare”.
A soja, por outro lado, enfrentou desafios. “O clima, um pouco atrapalhou, porque no começo teve muita chuvarada e frio”, relatou. Em 15% da área, implantados dia 13 de setembro, doenças atingiram a raíz e reduziram a produtividade. No restante, plantado em meados de outubro, houve forte incidência de mofo branco e esclerotínia. Outra doença, em sua avaliação, atacou com menos força: “A ferrugem está instalada nas áreas, mas só que não evolui. Não dá dano porque a gente controla”. Mesma situação valendo para pragas, como o percevejo, nas quais ele viu redução: “Acho que está bem tranqüilo, melhor do que no ano passado”.
No fator chuva, Lacerda contou ter visto, ao longo do período, que as precipitações ocorreram de forma irregular e localizada em sua região. Mas pontuou que, na propriedade, o volume foi suficiente para manter o desenvolvimento das plantas.
Com isso, ele disse acreditar que apesar do verão excepcionalmente quente, com exceção da soja do cedo, ainda conseguirá um patamar de produtividade que avalia como positivo: “Acho que vai dar 75 sacos por hectare, que tem sempre sido a minha média”.
Em Guarapuava, outro produtor, Renato Cruz, ao conversar com a REVISTA DO PRODUTOR RURAL no dia 20 de fevereiro, também avaliou que suas lavouras de milho e soja encerrariam o período com um bom desempenho.
No milho, o agricultor recordou que, após vários anos fora daquela cultura, voltou a plantar o cereal no verão 2018/2019 devido aos melhores níveis de preço. Segundo disse, o tempo seco não foi problema: “A estiagem, se afetou, foi pouco, vai ser uma safra boa” – o que, segundo calculou, significaria um patamar “acima de 12 mil quilos por hectare”.
Na soja, Cruz contou que, no período, verificou o ataque de doenças como ferrugem e mofo branco – esta última, destacou, foi sua prioridade, para evitar que se repetisse uma infestação que ocorreu na safra do ano passado. E de acordo com ele, em 2018/2019, a doença veio com força ainda maior.
Já em relação às pragas, ele recordou que o problema pode ser superado, com a soja encerrando o ciclo sem dano significativo. A alternativa, explicou, foi o manejo integrado. A opção, testada ano passado em parte da área, nesta safra foi estendida a toda a cultura apesar das temperaturas elevadas, conhecidas por acelerar o ciclo de reprodução de insetos. Na avaliação de Cruz, uma verificação assídua da lavoura permitiu economizar em inseticida e obter produtividade. Neste quadro, antecipou o que calculava como um provável patamar: “De 60 sacos por hectare para cima, com certeza”.
Tendo conduzido o MIP naquela propriedade, o agrônomo Leandro Bren mencionou em entrevista, dia 25 de fevereiro, que só na primeira quinzena do mês a lavoura se aproximou do nível de infestação de lagarta considerado como limite para o uso de defensivo. O manejo, complementou, levou em consideração o comportamento da praga, que espera pelas temperaturas mais amenas da noite para atacar as partes mais altas da planta: “Fizemos uma única aplicação, noturna, do inseticida específico para o controle de lagartas. Uma vez que não entrei com produto de amplo espectro, não matei os inimigos naturais”. Mas o agrônomo enfatizou que usar o MIP é uma decisão que varia de acordo com o perfil de cada produtor.
Enquanto isso, com a safras de milho e soja entrando ou se encaminhando para a colheita, vale lembrar as estimativas do meteorologista Marco Antônio dos Santos: “Como há um indicativo, segundo os modelos de previsão climática, de que as águas do Oceano Pacífico entrem num período de resfriamento, a tendência é que a atmosfera venha a se comportar muito mais como uma La Niña do que propriamente El Niño”. De acordo com ele, março será caracterizado por “temperaturas mais dentro da normalidade em toda a região de Guarapuava, sem que venham ocorrer picos elevados por vários dias consecutivos”. Entretanto, observou, poderão ocorrer novos períodos de veranico.