Terça-feira, 08 de maio de 2018
Por Angelo Zanaga Trapé; membro do Conselho Científico Agro Sustentável, médico e doutor em saúde coletiva pela UNICAMP, e presidente do Instituto de Pesquisas em Educação e Saúde "Prof. Waldemar Ferreira de Almeida" – INPES
Tendo em vista o papel estratégico da agricultura para a segurança alimentar, este artigo se propõe a contribuir para a compreensão pela sociedade brasileira da importância da aprovação do substitutivo do PL 3200/15, do deputado Luiz Nishimori.
Como médico, atuei durante quarenta anos pela Faculdade de Ciências Médicas da Unicamp, instituição na qual desenvolvi toda minha carreira acadêmica na área de toxicologia clínica. Especificamente, aprofundei meus estudos no campo dos chamados, anteriormente, pesticidas, agora agrotóxicos ou, mais corretamente, agroquímicos; pesquisando e avaliando as condições de saúde de agricultores e trabalhadores rurais com exposição e contato com esses produtos químicos.
Após anos de trabalho, com considerável acúmulo de experiência, comecei a ser convidado a participar de avaliações para registro de produtos pesticidas pelo Ministério da Saúde – época em que não se cogitava, sequer, a criação de agências reguladoras.
Tempos depois, na década de 90, foi formada a CONAT, Comissão Nacional de Assessoramento em Toxicologia. Com diversos especialistas de distintas áreas da toxicologia, o órgão atuava como colaborador do Ministério da Saúde para avaliação de registro dos agrotóxicos. Foi, sem dúvida, um embrião do que seria, mais tarde, o setor de Toxicologia da Agência Nacional de Vigilância Sanitária, ANVISA.
No início das atividades da ANVISA ministrei, a convite da diretoria do setor de toxicologia, um curso onde apresentei a ferramenta da Avaliação de Risco como fundamental para a correta tomada de decisões regulatórias para os agroquímicos.
Atuei, então, por anos como assessor da ANVISA para avaliação de novos produtos e reavaliação de outros. Sempre defendi a necessidade de médicos, estudiosos, especialistas de áreas regulatórias utilizarem a ferramenta da avaliação do Risco. Lamentavelmente, porém, esta não era, e nunca foi, a proposta dos gestores daquela agência.
Proceder a regulação desta tecnologia baseada no perigo passou a ser a base de sustentação da Agência, tornando as avaliações e reavaliações de registros verdadeiros pesadelos “burocráticos”. Na realidade, suas decisões dissimulavam uma postura e conduta de cunho ideológico, avesso à ciência toxicológica e atingindo diretamente as empresas de Pesquisa e Desenvolvimento.
Para a exata compreensão do tema, é necessário entender a diferença entre perigo e risco. Ou seja, entender que as tecnologias, em sua maioria, oferecem algum perigo. Casos, por exemplo, da produção de medicamentos, de bebidas alcoólicas, da automotiva – seja com máquinas automatizadas ou não – e diversas outras. Todas elas, em constante atualização e desenvolvimento, permitem que a expectativa de vida dos brasileiros, como de outras populações mundiais, aumente em proporções extraordinárias e com melhor qualidade de vida. Entre essas tecnologias, a agroquímica, aliada a outras técnicas, contribuem para que a agricultura brasileira seja o sustentáculo da economia brasileira.
Por sua vez, o risco, que é a probabilidade de um ser humano ou um grupo da população sofrer algum efeito da utilização das tecnologias, depende das condições de como estas serão utilizadas ou administradas.
A tecnologia que mais causa óbitos no país é a automotiva, com mais de 40 mil mortes/ano. Quais os motivos? Velocidades acima do regulamentado, falta de manutenção dos veículos, excesso de horas no volante e o uso abusivo de bebidas alcoólicas. Impedir a produção de veículos ou proibir a produção de bebidas alcoólicas não é realmente a solução, e sim aprimorar a orientação, a fiscalização e penalização quando necessária. Ou seja, administrar a tecnologia para a redução do risco.
Os mesmos critérios cabem à tecnologia agroquímica. Apesar do perigo per si – conforme já mencionamos –, quando utilizada de acordo com as orientações técnicas de uso seguro e correto e de boas práticas agrícolas o risco, tanto para o agricultor como para a população e meio ambiente, é muito baixo.
Minha vivência teórica e prática de quarenta anos em toxicologia clínica, tendo já avaliado dezenas de milhares de agricultores e trabalhadores pelas cinco regiões do país indica que as condições de saúde destas populações são similares as de quaisquer outras de regiões não agrícolas. Não há incidência de qualquer prejuízo específico à sua saúde causado pelo uso da tecnologia agroquímica.
A aprovação do substitutivo do PL 3200/15, do deputado federal Luiz Nishimori, possibilitará um enorme avanço no mecanismo de avaliação e reavaliação de registro dos produtos desta tecnologia. Ao mesmo tempo, eliminará os vieses de visões alheias à ciência, permitindo que novas moléculas sejam colocadas à disposição dos produtores brasileiros do país de maneira mais ágil e segura, gerando alimentos, fibras e renováveis de forma sustentável.
Faz-se, no entanto, necessária a permanente realização de estudos clínico-epidemiológicos e de exposição, em diferentes cenários das diferentes regiões do país, estimulados e apoiados pelas esferas federais e empresas do setor privado. Estes estudos são as ferramentas capazes de sustentar as avaliações de forma científica.
Dessa forma, a Ciência será sempre a norteadora das decisões das agências reguladoras.