Sexta-feira, 20 de julho de 2018
As expectativas de aumento expressivo da área de plantio de soja na nova safra, que começa a ser semeada em setembro no país, estão em risco. A razão é que o tabelamento dos fretes — resultado da paralisação dos caminhoneiros em maio — está atrasando as entregas de fertilizantes, insumo fundamental para o plantio.
O impasse acerca da tabela, que foi aprovada semana passada na Câmara e no Senado, fez o frete entre porto e indústria e entre as empresas e as propriedades produtoras subir. Além disso, a indefinição fez com que matéria-prima importada, que é transformada em adubo, ficasse paralisada nos portos — situação que já começa a se normalizar.
Analistas estimam que a área plantada na safra 2018/19 poderia crescer entre 1 milhão e 1,8 milhão de hectares no país, impulsionada, sobretudo, pela expectativa de aumento das exportações para a China em decorrência da guerra comercial com os EUA, que elevou os prêmios sobre a soja brasileira nos portos.
O atraso nas entregas de adubos nas principais regiões produtoras de grãos no país, porém, pode reduzir o potencial de expansão da área de soja, admitem analistas.
Diante desse cenário, consultorias como a Safras & Mercado já reduziram a projeção para aumento da área em 2018/19. Na última sexta-feira (13/07), a Safras divulgou que espera incremento de 2,3% na área, para 36,004 milhões de hectares. “Não fossem as incertezas geradas pelo frete, veríamos um aumento maior. A gente trabalhava antes com alta de 5%”, disse Luiz Fernando Roque, analista da consultoria. Um aumento de 5% significaria uma expansão ao redor de 1,8 milhão de hectares.
Analistas concordam que o “mercado se regulará”, mas a dúvida é se isso ocorrerá a tempo de permitir que a safra de soja seja semeada no período ideal. “O tempo está ficando muito curto para as entregas [de fertilizantes]. Já estamos quase em meados de julho”, disse Marcelo Mello, consultor da INTL FCStone.
Segundo ele, em anos “normais”, o pico de entregas de insumos para as misturadoras estaria ocorrendo agora. No entanto, o fluxo entre o porto de Paranaguá — principal entrada de fertilizantes no país — e Mato Grosso — principal Estado produtor de soja — está ao redor de 10% do normal para o período. “Mesmo dentro do Paraná, as entregas estão em 50% do ritmo normal”, afirmou.
De abril — antes da paralisação dos caminhoneiros — até hoje, o frete rodoviário para os fertilizantes do porto até as regiões onde estão instaladas as principais misturadoras do país subiu, em média, cerca de 20%. Segundo cálculos do Grupo de Extensão em Logística Agroindustrial da Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz (Esalq-Log), o frete rodoviário do porto Paranaguá a Sorriso (MT) passou de R$ 147,50 em abril para R$ 173,80 por tonelada atualmente. Para o Alto do Araguaia (MT), o frete foi de R$ 118,33 para R$ 145,80. Também de Paranaguá até Rio Verde (GO), saiu de R$ 121 para R$ 143,21.
“Os armazéns nos portos estão lotados e mesmo os estoques das misturadoras estão bastante cheios”, disse Mello. A situação, avalia, pode fazer com que as misturadoras desistam de fazer as importações para completar a demanda da safra. “Fica a dúvida se chegará a tempo. Então, podem desistir de importar”, acrescentou.
A entrega da misturadora para o cliente final também foi afetada. No começo do mês passado, a americana Mosaic, uma das maiores empresas de fertilizantes do mundo, enviou comunicado a clientes propondo alternativas para minimizar a alta de custos após o estabelecimento de valores mínimos para os fretes.
Uma das propostas era a alteração da modalidade de entrega contratada — de CIF, cujo frete é de responsabilidade da empresa vendedora, para FOB, de responsabilidade da compradora. A Fertilizantes Tocantins foi um dos clientes da Mosaic afetados pela medida. “O nosso frete aumentou mais de 40%, de Araxá e Uberaba, em Minas, para Sinop, em Mato Grosso”, disse José Eduardo Motta, presidente da empresa. Segundo ele, agora a Tocantins terá de fazer a mesma negociação com seus clientes.
Pode haver outro entrave ao aumento da área de soja na magnitude esperada hoje. Como boa parte dos produtores recorre ao barter — troca de insumos por soja — para tocar o plantio, as incertezas atuais atrapalham. “A falta de previsibilidade do frete pode trazer dificuldades adicionais para se precificar a soja. Se eu tenho dificuldade de precificar a próxima safra, eu vou ter uma dificuldade grande de realizar a operação de troca”, afirmou Guilherme Bellotti, analista do Itaú BBA.
De acordo com dados do Instituto Mato-grossense de Economia Agropecuária (Imea), 52% do financiamento do plantio de soja da safra 2017/18 do Estado foi realizado por meio de barter.
Apesar do quadro atual de atraso nas entregas de fertilizantes, Victor Ikeda, analista do Rabobank, avalia que ainda é cedo para estimar o impacto no plantio da soja. O banco holandês estima que área da leguminosa deve crescer entre 1 milhão e1,5 milhão de hectares no novo ciclo.
Embora o frete mais elevado signifique alta dos custos, a consultoria Céleres projeta margem de 33,8% para o produtor de soja em Rondonópolis (MT) em 2018/19, ainda acima dos 31,6% do ciclo passado. Boa parte dessa margem está relacionada à alta do prêmio sobre a soja brasileira no porto de Paranaguá. O prêmio do produto para entrega em agosto estava em US$ 2,50 por bushel ontem. No começo de junho, estava em US$ 0,50.
Fonte: Valor Econômico.
Foto: Sindicato Rural de Guarapuava