Segunda-feira, 24 de junho de 2019
O excesso de dias chuvosos e consequentemente um ambiente muito mais úmido do que em anos anteriores criou uma condição extremamente favorável para o desenvolvimento atípico de doenças nesta safra de trigo no Cerrado brasileiro. E não foi só uma doença, mas um complexo de doenças de trigo. A epidemia foliar, veloz e de grande extensão, surpreendeu produtores e técnicos, que comunicam quebra na produção. Por isso, nas últimas duas semanas, pesquisadores de diferentes elos do setor tritícola visitaram lavouras dos estados de São Paulo, Goiás, Minas Gerais, e Distrito Federal com o objetivo de tentar, em conjunto, realizar a correta diagnose do complexo de doenças responsável pelos danos.
Segundo o agrometeorologista da Rural Clima, Marco Antônio dos Santos, além do grande volume de chuvas - de 20% a 40% superior para a média na região -, as temperaturas também se mantiveram muito acima do normal, principalmente as mínimas. "Em muitos locais, os volumes de chuvas totais ultrapassaram os 850 mm e, em alguns períodos deste verão e do outono, as temperaturas mínimas ficaram até 3 a 4°C acima da média. Um prato cheio para um maior desenvolvimento de doenças", comenta. A média de chuva na região varia entre 600 e 750 mm.
Na opinião dele, como o clima/atmosfera não foi influenciado por um El Niño clássico, os corredores de umidade ficaram muito aleatórios e, com isso, houve períodos até que a atmosfera se comportou com uma La Niña, causando muitas chuvas sobre as regiões Central e Norte do Brasil. "Por isso, foram registradas chuvas bem acima da média sob as áreas produtoras de trigo de MG, GO e DF", afima.
Complexo de doenças em análise
Paulo Kuhnem, fitopatologista da Biotrigo Genética, comenta que essa complexidade de fenômenos climáticos criou um cenário ideal para ocorrência de diferentes lesões foliares que causaram um complexo de doenças que não ficaram restritas apenas às lavouras de trigo, mas também afetando outros cultivos da região, como milho e feijão. "Foi realmente um ambiente extremamente favorável para a ocorrência de doenças foliares. Provavelmente essa situação não estaria sendo observada, mesmo nos plantios mais antecipados se fosse um ano como foram as últimas três safras na região", comenta. "Muitas das amostras recebidas pela Biotrigo de técnicos e agricultores tinham folhas com elevado número de lesões de Brusone e de Bacteriose, sintomas em igual intensidade que eu só tinha observado na Bolívia onde essas doenças ocorrem com frequência devido ao clima úmido e quente da região", complementa.
As análises encaminhadas pelos pesquisadores de diferentes elos do setor tritícola ainda estão em andamento e, por isso, não há a confirmação exata do que causou a quebra nestas regiões. Um dos fatores que estão dificultando a sintomatologia é a ocorrência de outras doenças de forma concomitante. Paulo comenta que nas amostras coletadas nas lavouras de Minas Gerais, Goiás e Distrito Federal e analisadas no laboratório de fitopatologia da Biotrigo, pode-se isolar colônias de bactérias, que numa análise inicial, tem tido enquadramento em sua maioria dentro do gênero Xanthomonas. "Ainda estamos realizando mais testes para tentar identificar a espécie ou patovar desses isolados bacterianos para então poder dizer que se trata ou não da Xanthomonas já relatada inúmeras vezes no Brasil". Nas lavouras acompanhadas não foram observados sintomas de estria bacteriana padrão causada por Xanthomonas transluces pv. undulosa, que como o nome indica, causa estrias no sentido das nervuras de coloração marrom. "Vale ressaltar que também isolamos bactérias que não se enquadraram nesse gênero, e por isso também estamos investigando se essas são patogênicas no trigo ou apenas contaminantes nas amostras", complementa.
Também foram isolados nas amostras testadas pela Biotrigo, nas lesões com sintomas típicos de Brusone, colônias do fungo Pyricularia oryzae, que é o agente causal da doença. "Não foi possível isolar o fungo agente causal da Mancha marrom (Bipolaris sorokiniana) nas amostras recebidas, mesmo das lesões consideradas típicas. Contudo, isto não significa que a Mancha marrom também não esteja envolvida neste complexo de doenças. Estas amostras levaram um tempo para chegar no nosso laboratório aqui em Passo Fundo/RS e isto pode ter afetado a viabilidade deste fungo. De qualquer modo estamos reprocessando estas amostras e também aguardando mais amostras chegarem para podermos ter mais dados dos patógenos envolvidos na situação desse ano, considerada por agricultores e técnicos locais como atípica", ressalta Paulo.
Linhas de ação para as próximas safras
Na opinião do melhorista da Biotrigo, André Schönhofen, a velocidade e extensão dos sintomas nas lavouras foram os motivos que geraram mais dúvidas entre os produtores, técnicos e empresas de pesquisa. "Em nossas visitas, verificamos que lavouras em todos os estádios de desenvolvimento apresentavam sintomas foliares. É importante destacar que se esse ano fosse mais próximo de um clima considerado normal, é provável que as lavouras semeadas dentro das datas do zoneamento agroclimático estivessem significativamente melhores, tanto em sanidade de folha como de espiga", disse.