Uma rede de informação para desenvolver o setor da alfafa

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Segunda-feira, 26 de abril de 2021

Uma rede de informação para desenvolver o setor da alfafa

Pesquisadores de várias instituições no Brasil vêm sublinhando que a pastagem é também uma cultura. Segundo defendem, se for utilizada dentro de uma visão de tecnologia e manejo, é um dos vários fatores que contribui para uma criação bem-sucedida. Partindo deste princípio, aproveitando as possibilidades da comunicação via redes sociais e considerando a alfafa como um pasto com grande potencial, pesquisadores, produtores, consultores e outras pessoas ligadas à agricultura e/ou à pecuária criaram um grupo, no WhatsApp, para incentivar toda a cadeia produtiva daquele pasto: a Rede de Pesquisa, Inovação e Extensão em Alfafa (REPIE Alfafa). Entre os dias 23 e 25 de março, a REVISTA DO PRODUTOR RURAL conversou com um dos membros da rede, o professor André Brugnara Soares, do curso de Agronomia da UTFPR de Pato Branco (PR). Como um dos responsáveis pela gestão do grupo, ele, que tem um trabalho focado em forrageiras, bovinocultura e integração lavoura-pecuária, contou como surgiu a iniciativa e os objetivos. Conforme comentou, em comparação com outros países, ainda é pequeno no Brasil o desenvolvimento da cadeia produtiva da alfafa. Por outro lado, assinala que, utilizando a Internet, a REPIE Alfafa visa criar uma plataforma para difusão de conhecimentos. Mas mesmo antes disso, o grupo já tem realizado lives sobre assuntos ligados àquele setor. E o mais importante: acessíveis a todos os interessados.

RPP – Quando surgiu o grupo? Qual o nome do grupo?

Esse grupo surgiu no 2º Congresso Mundial de Alfafa, que aconteceu em Córdoba, em 2018, na Argentina. Foi feito um debate e proposto um organograma conceitual, uma espécie de uma plataforma tecnológica, que deveria ser estruturada em rede virtual, que conseguisse organizar, registrar os temas prioritários para pesquisa, inovação e fomento da cadeia da alfafa – Alicerçada então em eixos que norteariam as futuras pesquisas da alfafa, na América Latina. Isso criaria uma base de conhecimento que seria muito importante para a definição de pesquisas futuras, para definição de validação de tecnologias. Haveria uma publicidade instantânea das informações, um compartilhamento das experiências, se evitaria a duplicidade de ações. Em 2020, na Expointer Virtual, a convite da EMATER do Rio Grande do Sul, foi feito um seminário, via web, que foi intitulado Múltiplos usos da alfafa e perspectivas para o Sul do Brasil. Foi um grande seminário e após teve um debate. O Rio Grande do Sul é um estado tradicional no cultivo da alfafa e lá de novo veio à tona a necessidade de criação de um grupo para centralizar as ações, para evitar duplicidade, para as pessoas se conhecerem. Uma coisa relevante que aconteceu na Expointer Virtual foi o lançamento de um livro, que teve a participação do MAPA. Participei, pelo MAPA, não só na redação de um capítulo, mas também na publicação. O título é: ‘Alfafa, do cultivo aos múltiplos usos’. Esse livro é de download gratuito. A gente (na REPIE) quer que o máximo de pessoas consulte. É um livro de mais de 170 páginas, com diversos capítulos, que abrangem quase todos os aspectos dos elos da cadeia produtiva da alfafa. Atualmente é o mais completo que temos em língua portuguesa sobre alfafa. O grupo sempre teve esse viés assim: desde uma pesquisa básica – o lançamento de uma estirpe de (bactérias fixadoras de nitrogênio) sinorhizobium meliloti, mais tolerante a Ph baixo –, uma pesquisa mais acadêmica mesmo, de microbiologia, até o negócio de um empresário na área de rações, que quer comprar feno, silagem pré-secada. Todos os elos da cadeia da alfafa estariam sendo contemplados pela criação deste grupo. No dia 30 de outubro de 2020, considerando toda essa trajetória, foi realizado um novo seminário, via web, e naquele seminário foi criada efetivamente a rede. Claro, não há nenhum tipo de formalização. Esse grupo tem muitas instituições e profissionais liberais. A forma de comunicação atualmente é via WhatsApp. Umas seis lives já foram feitas, por esta rede, sobre alfafa.

RPR – Quem faz parte dele atualmente?

Atualmente, dos 180 membros da REPIE, 19% são produtores rurais; 23% são pesquisadores de institutos de pesquisa, por exemplo, EPAGRI (SC), IDR (PR), institutos estaduais de pesquisa, federais também, como a EMBRAPA; 20% são professores de instituição de ensino superior; 15% são consultores autônomos, que têm empresas de assistência técnica para os produtores rurais; 21% são técnicos da extensão rural pública e algumas pessoas do Ministério da Agricultura (MAPA), empresários da área da indústria e beneficiamento e do mercado atacadista. Além de brasileiros, temos pesquisadores da Argentina, Uruguai, Venezuela e Chile. E os temas de mais interesse de serem trabalhados pela REPIE – ‘trabalhado’ significa, por vezes, pesquisas, validação de tecnologia, fomento, extensão – são temas que foram elencados por esta rede através de diagnóstico, que foi feito dentro desses membros. Citando em ordem de importância, temos: o uso da alfafa para a produção animal com pastejo direto, a produção animal usando alfafa como constituinte da ração, a conservação de forragem, através de processos de fenação, silagem, silagem pré-secada, uso de aditivos – aí entrariam máquinas, mais sofisticadas, mais eficientes, processos de desidratação artificial, tecnologias que dêem mais eficiência ao processo da conservação da forragem. As máquinas embaladoras para fazer as bolas, as silagens pré-secadas, fazer fomento, desenvolvimento de máquinas, ou alguma pesquisa de aditivos. Depois, temos a produção de feno para uso próprio, a produção para a venda e outro item é a produção de sementes para a venda. Hoje, a semente é um mercado muito aquecido. Sobre esse ponto, poderíamos dizer que no Brasil temos uma área reduzidíssima de alfafa, apenas 40 mil hectares. A Argentina tem 4 milhões. A produção de brotos em si para a alimentação humana é um tema também e a produção como industrialização, como produção de pellets. Ou indústria que produza farinha, farelo de alfafa, para ser um ingrediente constituinte das rações, que se usa para cavalo, para vaca de leite, para gado de corte, para bezerros, ovinos, caprinos. Então, esses são os grandes temas.

PRP – Por que surgiu o interesse em criar um grupo para estudar/fomentar a alfafa?

Primeiro porque a alfafa, como planta forrageira, é uma das que têm a melhor uniformidade de produção de forragem ao longo de 12 meses do ano. Temos resultados, aqui em Pato Branco, de em torno de 20 mil kg de matéria seca por hectare. Essas 20 t são mais ou menos bem distribuídas ao longo dos meses do ano. Com poucas forrageiras, a gente tem uma regularidade de produção tão boa. O segundo ponto é que a alfafa pode ser trabalhada em qualquer estrutura fundiária. Ela pode ser usada em pequenas propriedades. Lembro que o Sul é a região que mais concentra agricultura familiar do Brasil. A alfafa encaixa muito bem nessa agricultura familiar, especialmente para a produção de leite. E aí temos o Paraná e o Rio Grande do Sul, como grandes produtores, mas também vale para propriedades maiores, no Brasil central. A alfafa na alimentação das vacas de leite proporciona uma diminuição do custo da dieta, porque diminui a necessidade de rações. Então, se pudéssemos usar a alfafa para a alimentação das vacas leiteiras, além de aumentar a produção, poderíamos diminuir muito o custo de produção. Isso traria resiliência econômica para os pequenos produtores. Aos pequenos, aos médios e aos grandes. Tem fazendas em Carambeí, no Paraná, com duas mil vacas em lactação, que usam alfafa. Para um grande produtor de Paracatu (MG), ou do Mato Grosso, até um pequeno agricultor de Pato Branco, no interior do Paraná, ela serve do mesmo jeito. E é tão boa quanto. Nas vacas leiteiras, a gente consegue prover um aumento da proteína da dieta dos animais, uma fibra de excelente qualidade, com muita pectina, que é um carboidrato não fibroso. A matéria seca da alfafa é quase considerada como uma fibra nutrocêutica, porque traz saúde ruminal. O tempo de permanência da fibra no rúmen é alto. Então: menos problema de acidose, menos problema de laminite, de torsão de abomaso, aumenta a longevidade das vacas. E temos (existem) desde sistemas de produção de leite a pasto em alafafa, por exemplo na província de La Pampa, em Buenos Aires, na Argentina, que usam alfafa para pastejo direto, até sistemas de altíssima produtividade das vacas em Winconsin, nos Estados Unidos (EUA), que é onde tem as maiores produtividades de leite (daquele país). O estado que mais produz leite nos EUA é a Califórnia, mas a maior produtividade por animal, em sistemas mais intensivos, é em Winconsin. Eles usam alfafa há mais de 50 anos. O interesse na alfafa surgiu também porque no Brasil só temos uma cultivar cadastrada no Ministério da Agricultura, que é a cultivar crioula, uma cultivar antiga. Ou seja: não temos cultivares adaptadas a cada região edafoclimática do Brasil. Temos um herbicida só cadastrado no Ministério pra o uso na alfafa.

Quais seriam as linhas de estudo ou pesquisa a serem incentivadas?

Os temas a serem estudados e fomentados foram elencados em ordem de importância, considerando o estado da arte da alfafa no Brasil. E também considerando o conhecimento e as informações compartilhadas entre os próprios integrantes da REPIE alfafa. Uso da alfafa na nutrição de ruminantes; melhoramento genético e lançamento de cultivares adaptadas às diferentes regiões do Brasil; a formalização do comércio de sementes – da mesma forma, há necessidade de registro de defensivos para a alfafa, isso serve para herbicidas, fungicidas, inseticidas; o uso de corretivos e fertilizantes do solo; manejo de pragas, doenças e plantas invasoras; formas de conservação da forragem produzida; fenação; ensilagem; uso de inoculantes; silagem pré-secada; produção de semente da alfafa; uso da alfafa para pastejo direto; desenvolvimento de máquinas e implementos para a colheita e a conservação; uso da alfafa em consórcios, em integração lavoura-pecuária. Manejo e tecnologia de irrigação: do paralelo 24° para baixo, as respostas à irrigação são bem menores, em termos de estacionalidade de produção e produção total de matéria seca. Mas do Norte do Paraná para cima, e todo o Brasil central, se quisermos ter uma produção bem maior e durante todo o ano, inevitavelmente tem que se fazer irrigação. Tem poucos estudos acontecendo em relação à alfafa. Um dos papéis da REPIE seria fomentar a pesquisa, fomentar a extensão, a educação, fomentar lives, cursos, o contato entre as pessoas da extensão, os produtores, empresários, professores universitários, que conversam com os produtores, fazer essas conexões dos elos.

 

PRP – Vocês trocam idéias entre vocês sobre esses trabalhos? Fazem isso hoje pela Internet?

As informações e idéias são trocadas principalmente e diariamente através do whatsapp. Ali são feitas perguntas: perguntas técnicas e no grupo as respostas também surgem.

PRP – Se pensarmos nas chamadas grandes culturas de grãos, sabemos que os materiais hoje são fruto de toda uma tecnologia, que já define os mais indicados para cada utilização e para cada local e clima. O senhor diria que hoje já existe também um grande conhecimento técnico sobre a alfafa?

Sim, a alfafa talvez seja a planta forrageira mais pesquisada no mundo. O nível de conhecimento sobre ela em países da Europa ou da América, como os Estados Unidos, é muito alto. É muito profundo. E na América Latina, na Argentina, existem mais de 100 cultivares cadastradas, para diversas situações, de clima, de solo – se é para pastejo, para feno. Então tem muitas opções de cultivares, de defensivos agrícolas, já existe um pacote tecnológico, recomendações técnicas a cerca desse cultivo. No Brasil, o nosso conhecimento é muito baixo. Só temos uma cultivar, que é a cultivar Crioula, que na realidade é muito produtiva, e tem uma boa adaptação na maior parte do território brasileiro, o que seria positivo, mas também dentro da crioula existe uma grande diversidade genética. A gente acredita que se tivéssemos mais opções, dessas indicadas para o pastejo, talvez com um pouco mais de tanino condensado, que poderia aumentar o provimento de proteína sobrepassante, importante principalmente para vacas de maior produção, também diminuiria a probabilidade de timpanismo, especialmente em bovinos de corte. Seria muito indicado tecnicamente e comercialmente se tivéssemos várias opções. Vários produtos defensivos, herbicidas, fungicidas, inseticidas, conhecimento maior sobre as pragas, doenças. Isso nós não temos.

RPR – Quais as atividades do grupo para este ano? O produtor interessado também pode participar?

As atividades principais para este ano seriam: a tradução do livro para a língua espanhola. A segunda ação é seguir fazendo as lives. E uma terceira atividade – talvez essa seja a mais importante do grupo – esperamos que seja ainda este ano: o Ministério da Agricultura, através da Secretaria de Agricultura Familiar, lançou o programa ATER (Assistência Técnica Rural) Digital e a REPIE foi demandada como sendo o primeiro programa a ser alojado dentro do ATER Digital. Então, o que é que será feito? Uma das ações é um curso EaD, que já está sendo montado. Já estão sendo definidos os moderadores, os tópicos. São 15 módulos, cada módulo vai ter de duas a 10 aulas, de 50 minutos a uma hora. Neste curso vão ser vagas limitadas. A gente vai disponibilizar um número fixo de aproximadamente 20 para cada órgão de extensão dos estados; um número máximo de vagas para profissionais autônomos de consultoria e um número limitado de vagas para produtores rurais. Mas é um curso gratuito, de altíssima qualidade, em plataforma EaD. Outra ação, que está dentro do programa de ATER Digital, é a formação de hub em agrotec. Hub é como se fosse a plataforma digital que centralizará de fato a rede REPIE. Como se fosse um site, um provedor, e nele se pode alojar as lives, ter materiais, chat, as próprias palestras, cursos EaD. Na formação de hubs nas cadeias do agro, existe um hub para cada cadeia, existe um conjunto de hubs, que são por temas transversais. Mas a alfafa, através da REPIE, está sendo também direcionada para ser um dos primeiros hubs de cadeias (produtivas) vinculadas ao Ministério da Agricultura. Essas quatro ações seriam as principais. Se o produtor pode participar? Sim. Todas as lives até hoje, todas as que vão ser feitas, são amplamente divulgadas principalmente pelos grupos de WhatsApp. Ou pelas mídias sociais: Instagram, Facebook. Os produtores sempre participam. E sempre são convidados e eles seriam o principal alvo, o principal público. Também os extensionistas e consultores. Porque, às vezes, um consultor, entendendo sobre o tema, ele é um multiplicador por si só. Será ofertado esse curso EaD, sobre alfafa, para os produtores rurais, e é 100% gratuito – qualquer ação da REPIE. Inclusive o livro é gratuito. Isso é uma coisa importante de ser frisada.

 

RPR – Como o produtor pode encontrar mais informações científicas, de pesquisa, sobre a alfafa?

O caminho mais prático é acessar o livro sobre alfafa. Também a EMATER do Rio Grande do Sul tem alojado as lives que foram gravadas. O contato dos e-mails institucionais dos gestores da rede REPIE também podem ser acessados pelos produtores. O meu e-mail é: soares@utfpr.edu.br. Depois que efetivarmos o hub, que é realmente uma plataforma digital, que vai ser através daquele projeto da Secretaria de Agricultura Familiar do MAPA, ali sim teremos de forma centralizada todas as informações, tanto o curso EaD, quanto as lives, o livro, os materiais, que foram escritos sobre a alfafa, principalmente nos últimos anos. Isso tudo vai ser de acesso gratuito. Os grupos de WhatsApp podem compartilhar os links.

ALFAFA Pesquisador André Brugnara

Prof. André Brugnara Soares: agrônomo, doutor em Zootecnia, professor da UTFPR de Pato Branco (PR) e um dos gestores do grupo REPIE Alfafa – Também atuou como coordenador geral de Produção Animal do Departamento de Desenvolvimento de Cadeias Produtivas, da Secretaria de Inovação e Desenvolvimento Rural e Irrigação do Ministério da Agricultura (MAPA).

 

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