Operações de Barter (permuta complexa) do agronegócio

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Quinta-feira, 29 de outubro de 2020

Operações de Barter (permuta complexa) do agronegócio

Por Fábio Farés Decker e Luis Eduardo Pereira Sanches

Sem tempo a perder, a designação “barter”, significa em sua tradução inglesa, permuta. Entretanto, não se destina simplesmente a negociação de troca, mas também a uma estrutura complexa e bem aparelhada, onde há o envolvimento de diferentes agentes, como as tradings, empresas fornecedoras de insumos, agroindústrias, máquinas agrícolas, as instituições financeiras e investidores.

De acordo com o Código Civil Brasileiro, em seu artigo 481, a compra e venda é um contrato através do qual uma parte se obriga a transferir o domínio de certa coisa, e a outra, a lhe pagar certa quantia em dinheiro. Já o artigo 483, dispõe que a compra e venda é capaz de ter como objeto a coisa atual ou futura. Em relação ao preço, é possível que as partes deixem a determinação de acordo com as taxas de mercado ou de bolsa de determinado dia e local, ou outros índices e parâmetros.

As espécies de compra e venda que serão consideradas referente à estruturação prática das operações de barter, são a compra e venda futura de produtos rurais e, também, a compra e venda de títulos de crédito. Comumente, os agentes econômicos e investidores possuem o direito de adquirir títulos, inclusive de créditos. Os contratos de compra e venda de títulos de crédito suportam a modalidade verbal, através da consensualidade.

Uma outra forma de estruturar a operação é através da operação de vendor. O vendor é uma operação de financiamento de vendas baseada no princípio de cessão de crédito. Aqui, a instituição financeira possui comprometimento com o fornecedor de mercadorias ou serviços, abrindo crédito em favor de terceiros adquirentes desses bens, financiando as aquisições e recebendo a garantia do vendedor. O vendor, quando aplicado no barter abrange a formalização de três contratos: contrato de compra e venda entre o fornecedor e o adquirente, previsto nos artigos 481 e seguintes do Código Civil; contrato de desconto bancário entre a instituição financeira e o fornecedor; por último, um contrato de mútuo firmado entre o adquirente e a mesma instituição financeira, previsto nos artigos 586 e seguintes do Código Civil.

Acerca dos direitos creditórios, pode-se afirmar que os novos títulos do agronegócio vieram para promover o financiamento de toda a cadeia agroindustrial, e dentro desse segmento econômico cada um deles tem sua função particular. Desta forma, temos: a CPR diretamente ligada à produção. O CDA/WA vinculado ao armazenamento e comercialização dos produtos agropecuários. Os demais títulos, CDA, LCA E CRA, são ligados ao financiamento de todas as atividades sobrepostas de uma cadeia agroindustrial, tendo sua circulação voltada para o mercado financeiro e de capitais.

Em relação aos títulos de crédito utilizáveis na estruturação das operações de barter, é imprescindível não mencionar o mais utilizado, a CPR. A Cédula de Produto Rural é um título líquido e certo, foi instituída pela Lei nº 8.929/1994, além disso, é um título representativo da promessa de entrega de produto rural, com ou sem garantia cedularmente estabelecida. Pode ser emitida por produtores rurais, cooperativas ou outras associações de produtores rurais. Este título ampliou as alternativas de financiamento dos produtores rurais e ocasionou o fim da intermediação bancária no financiamento do setor.

Nas operações de barter, o Certificado de Direitos Creditórios do Agronegócio também é um instrumento que pode ser utilizado. É um título de livre negociação, todavia, sua emissão é exclusiva de cooperativas de produtores rurais ou de outras pessoas jurídicas desde que desempenhem atividade de comercialização, beneficiamento ou industrialização de produtos e insumos agropecuários. Quem emite o CDCA necessita ser titular de direitos creditórios do agronegócio, geralmente credor dos títulos do crédito rural, CPR e/ou CDA/WA.

Diferentemente dos demais títulos, o CDA e WA são títulos armazeneiros do agronegócio, ou seja, exercem função sobre a guarda e conservação dos produtos agropecuários. Ambos os títulos são executivos extrajudiciais e pode-se afirmar que são títulos unidos, pois são emitidos de forma simultânea pelo depositário, mediante solicitação do depositante. Todavia, podem ser transmitidos em conjunto ou separadamente, mediante endosso. Fundamental analisar algumas formas de sistematização jurídica prática dessas operações:

O primeiro modelo de estruturação, envolvendo produtor rural, fornecedora de insumos e trading company – ou agroindústria, é o mais habitualmente exercido pelos agentes econômicos do agronegócio, razão pela qual, via de regra, é a forma que se encontra descrita nos noticiários sobre economia rural. É uma operação de triangulada, pois abrange a celebração de dois negócios jurídicos: o contrato de permuta entre produto e insumo e a compra e venda do título de crédito. Tais celebrações, podem ser verbais, como admitem as suas naturezas jurídicas, sujeitando-se às regras de direito cambiário e não às normas do direito dos contratos.

O produtor rural, emite a CPR para a empresa fornecedora de insumos. Nesse intervalo entre a entrega dos insumos – ocorrida no presente – ao produtor e o recebimento – futuro – de produtos rurais, a empresa de insumos firma, com uma trading ou com uma agroindústria, um contrato de compra e venda do título de crédito – que pode ser oral –, objetivando operacionalizar a transferência do crédito nele contido. Visando a celebração desse contrato, a empresa fornecedora de insumos endossa a CPR, emitida pelo produtor, à empresa, que passa, portanto, a ser possuidora do crédito consistente nos produtos rurais abordados no corpo da CPR. Por outro lado, a trading realiza o pagamento à fornecedora. Após a colheita, o produtor rural realiza a entrega do produto à trading, que faz a quitação ao primeiro e baixa em cartório eventual garantia cedularmente constituída. Ao final, devolve-se a CPR ao produtor rural.

Neste modelo, geralmente, existem alguns riscos na operação. O risco que a fornecedora de insumos enfrentaria, seria o do não recebimento da contraprestação referente ao contrato de permuta firmado com o produtor, todavia, pode ser mitigado através de sua documentação em CPR. Com relação a trading ou agroindústria, estas podem sofrer com o risco da desvalorização do produto negociado, no entanto, caso tenha uma valorização, são favorecidas, visto que pagaram menos e receberão mais. Outra hipótese de risco que poderiam enfrentar, seria o do não recebimento do produto, no qual o pagamento já aconteceu, no momento da celebração do contrato de cessão de crédito com a fornecedora.

Apesar disso, existe a possibilidade de atenuar esse risco com a CPR, tanto pela sua natureza de título de crédito, quanto pelas garantias que ela dispõe. No que tange aos riscos para o produtor rural, estes são maiores. De início, ele assume o risco da organização da sua atividade econômica, o risco da produção. Isto porque, o produtor, antes mesmo da entrega do produto, responde por sua existência e higidez. Pois, além da coisa perecer para o dono (“res perit domino”), é imprescindível que haja um contrato de permuta composto de caráter obrigacional.

No segundo modelo, acontece a inclusão de um novo agente na estrutura da operação, os investidores e se torna um dos mais complexos. Inicialmente, é necessário realizar um contrato de permuta entre o produtor rural e a empresa que fornece os insumos, que, instrumentalizam o acordo através de CPR. A fornecedora de insumos, no presente, entrega seu produto ao produtor rural, ficando este, obrigado, a entregar futuramente a commodity. O produtor rural, emite CPR em favor da empresa fornecedora de insumos.

Em seguida, a fornecedora de insumos realiza, com a trading um contrato de compra e venda da Cédula de Produto Rural, onde, através do endosso do título, irá transferir sua titularidade. Desta forma, a trading será credora do produto rural nele versado, e recebendo então, a quantia que lhe cabe. O produtor rural é informado sobre a realização desse endosso. Por sua vez, a trading emite um Certificado de Direitos Creditórios do Agronegócio (CDCA), lastrado nesta CPR e se possuir, em outros direitos creditórios, para que seja possível negociar esse certificado em bolsa de valores e de mercadorias e futuros ou em mercados de balcão organizados. Quando a trading negocia esse certificado, ela recebe então, o montante do(s) investidor(es). Nessa situação, é possível constatar que o(s) investidor(es) respondem, em última instância, pelo financiamento da produção rural e se sujeitam ao risco da variação dos preços. Visto que, em regra, esses certificados abrangem tipos diferentes de direitos creditórios, o risco acaba ficando diluído. Uma forma alternativa dos investidores ganharem capital é a cláusula de correção pela variação cambial (art. 25, § 3º, da Lei 11.076/2004).

Vale ressaltar que, diante da ausência de regime jurídico específico para as operações de barter, permitem-se várias formas de estruturação de acordo com as singularidades e necessidades. O estudo jurídico acerca dessas operações ainda é principiante, mas com o grande crescimento do agronegócio nos últimos anos.

 

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