As commodities agrícolas dominadas pela geopolítica

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Quarta-feira, 16 de janeiro de 2019

As commodities agrícolas dominadas pela geopolítica

*Steve Cachia

 

Podemos reclamar de muita coisa deste nosso mercado de grãos, menos que é monótono. Todo ano é uma historia, com 2018 sendo uma mistura de tradicionais fundamentos e outros fatores chamados “extra-campo”, mas que juntos influenciaram na direção dos preços. O fator clima, com a quebra na safra de soja na Argentina, a queda da produção da safrinha no Brasil e clima adverso em países produtores de trigo ao redor do mundo, foi de extrema importância. Mas o fator predominante foi a geopolítica, com a eleição presidencial no Brasil e a guerra comercial EUA – China. O ano de 2019 promete ser tão intenso e talvez mais volátil, onde questões geopolíticas e o comportamento climático nas áreas produtoras prometendo dar o ponta pé inicial para determinar o lado em que o mercado vai caminhar.

O produtor brasileiro costuma acompanhar de perto tudo sobre o clima, mas quando o assunto é o risco geopolítico e sua imprevisibilidade, muitos acabam subestimando o peso deste fator no valor das commodities. Até a publicação desta matéria, não havia acordo na guerra comercial EUA – China e o desempenho do mercado de soja em 2019 está totalmente dependente do desta questão. Um acordo entre as partes, faz com que o Brasil perde espaço e valor de soja para os EUA. Nesta hipótese, veremos a soja em Chicago voltando a subir, mas os prêmios no Brasil despencando. Por outro lado, uma situação similar a este ano e com a guerra comercial se prolongando deve contribuir para manter a nossa soja valorizada. As outras commodities agrícolas, como trigo e milho, estão até certo ponto interligados com a soja e um acordo comercial injeta novo ânimo, otimismo e interesse de compra dos fundos de investimento, ajudando os preços internacionais a subir no processo. Por outro lado, a falta de um entendimento deixa o mercado largado e pressionado até porque apesar da forte demanda, vivemos um período de estoques abundantes a nível mundial, seja de soja, milho ou trigo.

            Focando um pouco no mercado brasileiro, entendemos a reclamação do produtor que a comercialização interna é talvez mais complicada que em outros países produtores. Os componentes na formação de preço ao produtor, partindo da cotação na Bolsa de Chicago, o prêmio, a taxa de câmbio e o frete, podem ter comportamento diferente e independente e deixa espaço para um grande número de hipóteses. Portanto, para 2019, teremos que partir da probabilidade de uma safra cheia e um custo do frete pesando mais uma vez. Com isto, o fator geopolítico interno, que tem influência direta na taxa de câmbio, volta a crescer em importância. A eleição de um novo Presidente no Brasil já provocou uma queda no câmbio, que tinha alcançado uma máxima em torno de R$ 4,20 em agosto. A lua de mel do novo governo brasileiro com o mercado financeiro deve durar os tradicionais 100 dias e o desempenho vai definir o volume de entrada de recursos do investidor estrangeiro no país. Se o novo governo conseguir levar algumas reformas adiante e emitir sinais de que o país está no caminho certo para um crescimento econômico firme, veremos a moeda brasileira se valorizar e, consequentemente, haverá pressão sobre os preços das nossas commodities agrícolas em reais. Dúvidas e problemas em relação a atuação do novo governo terá efeito inverso.

            Mas se o dólar e frete podem atrapalhar, o mercado internacional tende a ajudar. Um preço de soja abaixo de US$ 9,00 não é remunerador ao produtor americano e uma pesquisa feita pela Universidade de Perdue, nos EUA, mostra que os produtores de soja nos EUA estão tão desestimulados que metade só pretende voltar a comercializar após acordo entre EUA e China. Também se comenta que se o preço não melhorar, podemos ver a área destinada a soja nos EUA caindo até 10% em 2019. Uma queda na área de soja nos EUA sempre oferece suporte aos preços. Além disto, temos a demanda liderada pela China (maior importador de soja do mundo), que com ou sem guerra comercial e mesmo com uma desaceleração econômica, deve continuar agressiva. E ainda não podemos esquecer a Índia, com seus 1,3 bilhões de habitantes e PIB crescendo fortemente em torno de 7%. Apesar das limitações e restrições religiosas/culturais, os hábitos alimentares do seu povo estão mudando, e dentro de pouco tempo, este país será a nova China (já é a maior importador de óleos vegetais no mundo).

            Diante de tudo isso que acontece na nossa frente, lembrando das incertezas que sempre rondam nossos mercados e levando em conta que as mudanças infra-estruturais necessárias demoram a acontecer no Brasil, o produtor não tem outra alternativa a não ser continuar investindo em produtividade e gestão. A tecnologia vem para facilitar tudo isso. Já tem contribuído dentro da porteira e logo estará também chegando à área de comercialização. E são em anos de mercados baixistas e margens apertadas que a tecnologia faz mais diferença. De um modo geral, o cenário para o mercado brasileiro de grãos em 2019 ainda é promissor apesar do ciclo de preços baixos no exterior. Mas temos que estar preparados para a probabilidade de níveis de preços operando abaixo das máximas atingidas em 2018 para milho e soja. Nunca é demais repetir que ter os custos na ponta do lápis e não apostar demais (esperando para vender só na máxima e perder o bonde no processo) são fundamentais para uma boa comercialização. É necessário que o produtor tenha uma estratégia com risco calculado da venda de sua soja, milho e trigo. A agricultura não é apenas uma atividade, é um negócio, um investimento, e para tanto, é fundamental não apenas produzir bem, mas comercializar melhor!

 

*Steve Cachia

Natural de Malta na Europa, atua no Brasil na área de commodities agrícolas há 30 anos. É analista de mercado por profissão, já proferiu palestra em dezenas de países ao redor do mundo e exerce o cargo de Diretor Business Development na Cerealpar (Brasil) e também Consultor do terminal de grãos Kordin Grain Terminal (Malta).

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