A sucessão familiar no campo: necessidade, problemas e desafios

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Segunda-feira, 04 de novembro de 2019

A sucessão familiar no campo: necessidade, problemas e desafios

 

Fábio Farés Decker e Luis Eduardo Pereira Sanches

Advogados da Aliança Legal entre os escritóriosDecker Advogados Associados e Trajano Neto e Paciornik Advogados

 

Historicamente no Brasil, nenhuma propriedade rural deixou de produzir quando a família que a explorava, se afastou do campo. Melhor explicando, aquelas famílias que não se organizaram para continuar trabalhando em conjunto e manter a escala, acabam por vender a propriedade para outro grupo e essas áreas não vão deixar de produzir, mas vão ficar concentradas, cada vez mais, na mão de menos pessoas.

Em face dos desafios que se impõem à administração dos empreendimentos rurais, transmitir às gerações seguintes a gestão e o patrimônio familiar são decisões que requer sabedoria e alguma dose de intuição.

Dentre as responsabilidades atribuídas ao agricultor moderno, estão nada menos que: i) contribuir para a segurança alimentar; ii) assegurar a preservação do meio ambiente; e iii) gerar energia. Tudo isso em um contexto de mudanças tecnológicas velozes e de impacto imprevisível, inclusive sobre a produção agropecuária (agricultura de precisão, engenharia genética, drones etc.).

No âmbito familiar, lidar com as próprias mudanças nos costumes – divórcios, surgimento de novas profissões, novos hábitos e tendências de consumo – sugere que a discussão em torno da continuidade das fazendas familiares soe algo obsoleta e ultrapassada. Constata-se, no panorama internacional, entretanto, ampla gama de pesquisas sobre os mais variados aspectos da transmissão geracional das fazendas: aumento da idade média dos produtores, aumento do tamanho médio das propriedades, viabilidade econômico-financeira das fazendas, ciclos de vida do negócio e das famílias, ingresso dos jovens na atividade, entre outros. Há também diversas iniciativas de políticas públicas, em todo o mundo, visando facilitar o processo de sucessão na atividade rural.

Tais políticas envolvem, por exemplo, incentivos de natureza fiscal e/ou tributária para a transmissão intrafamiliar da propriedade, financiamentos disponíveis para a nova geração, estabelecimento de programas de educação da família para a sucessão, entre outros.

Como foi observado, a avaliação da viabilidade econômico-financeira da propriedade rural é requisito imprescindível para a decisão de deflagrar o processo sucessório.

Dentre os pilares sobre os quais se assenta o processo sucessório – a transferência da gestão, a divisão dos rendimentos provenientes da atividade e a transferência patrimonial –, este último tende a ser o de mais difícil resolução, por vários fatores. A comunicação é um deles: discutir abertamente o processo de sucessão no âmbito da família pressupõe a exposição de princípios e valores individuais de cada partícipe, no intuito de que sejam estabelecidos denominadores mínimos que permitam a continuidade do negócio e a harmonia da família.

Discuti-los com toda a família poderá ser um primeiro passo para que, no futuro, conflitos sejam evitados. Há que se considerar, também, que o desenrolar e o desfecho do processo sucessório envolvem, por definição, uma mudança nas relações de poder dentro da família, e a eventual perda de status da geração sênior. A preocupação quanto à segurança econômico-financeira após a aposentadoria é um terceiro fator que dificulta a abordagem da questão sucessória, particularmente no que tange à transferência patrimonial.

A proximidade com o meio ambiente, o conhecimento do solo, do relevo e do clima, a experiência acumulada ao longo de anos na atividade agropecuária, no manejo da lavoura e/ou do rebanho, a flexibilidade e a capacidade de adaptar-se às mudanças que interferem no cotidiano da fazenda são os fatores que favorecem a permanência e a predominância das fazendas familiares.

O desejo de transmitir um legado e o fator confiança tendem a favorecer a transferência de todo esse conhecimento acumulado às gerações seguintes da família. Entretanto, o alto custo da terra e as altas exigências de imobilização de capital na agricultura moderna implicam elevadíssimo risco financeiro para as famílias proprietárias. De um ponto de vista teórico, os empreendimentos de natureza familiar na agricultura tendem a ter menores conflitos de agência que os demais, uma vez que são administrados por seus próprios donos. Sua gestão deve visar, sim, à maximização do lucro, tal como qualquer empreendimento capitalista, porém não necessariamente irá subordinar a ela todos os seus demais objetivos.

Em outros termos, o caráter familiar do negócio sugere a conciliação dos objetivos estritamente financeiros com outros, pertencentes à esfera da dinâmica familiar. Dentre estes, pode-se acrescentar a transmissão de um negócio sólido e próspero à geração seguinte, razão pela qual o horizonte temporal das empresas familiares tende a ser mais extenso, medido em décadas, e não em anos.

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